terça-feira, 8 de janeiro de 2008

A Legitimidade Democrática do Fascismo


por João Bernardo


Nunca uma ideologia se limita a afirmar-se no presente. Com igual empenho reconstrói o passado; e os mitos assim criados servem para legitimar outro quadro, não menos fantasista, em que a realidade de todos os dias é apresentada como o seu exacto oposto. Nestas circunstâncias não resta outro recurso, a quem pretenda participar na crítica do presente, do que desvendar também a história.
Que história? A do que sucedeu? O passado está enterrado com os seus mortos e o que aconteceu ninguém sabe, nem eles, porque os vivos conhecem apenas o que julgam fazer. Para além disso, aquilo que exactamente fazemos só pode ser apercebido nas suas consequências -e sê-lo-á então por outros, pelos que vierem depois. Esses, porém, sentem o peso dos antepassados, não como uma realidade própria, mas como o terreno onde dão vida às novas acções. Por isso somos obrigados a avaliar a história, sem jamais podermos discorrer sobre o que sucedeu, à luz das imperiosas necessidades do presente.
Que presente? O daquilo que hoje sucede? A multiplicidade da prática em que participamos constitui para nós o real. Mas como a julgamos sem o saber exacto das suas consequências, que são as de um futuro que ainda está por vir, sempre a realidade nos escapa.
Ponto final nessa utopia de conhecer o real. Cada um sabe o que precisa de saber e tal como o precisa. Há por isso duas histórias, a apologética e a crítica, uma para os que dominam e os que aceitam a dominação, outra para os que põem as dominações em causa. Em todo o mundo o neoliberalismo é hoje a ideologia triunfante, proclamando uma economia de livre-concorrência e uma sociedade de opções livres. Sob estes mitos encobre-se um sistema oligopolístico, dotado de formas de planificação consideravelmente mais amplas e complexas do que os velhos planos centralizados que vigoraram nos regimes leninistas. Bom número de autores tem denunciado a forma como a actual sociedade democrática permite um grau superior de exploração da força de trabalho e é capaz de mecanismos de vigilância e de controle muitíssimo mais apurados e eu procurei abordar a questão em livros e artigos. Não é este o problema que me ocupa agora. Para caucionar a sua mistificação da sociedade actual os neoliberais pretendem que o capitalismo é um modo de produção essencialmente democrático e que, no passado, os regimes francamente totalitários, ou não seriam capitalistas, no caso soviético; ou, no caso dos fascismos, resultariam de impedimentos ao normal funcionamento dos mecanismos económicos, um efeito perverso da grande crise de entre as duas guerras mundiais, sem explicação nem raízes na sociedade democrática.
Quanto aos regimes de tipo soviético, mantiveram e reforçaram as relações de trabalho capitalistas e o sistema capitalista de organização das empresas, desenvolvendo por isso este modo de produção, sem jamais o porem em causa. A antiga União Soviética e os países da sua esfera de influência demonstraram na prática a possibilidade de conjugar diferentes sistemas de propriedade no interior do capitalismo, a tal ponto que não só a mesma classe social, mas em boa parte as mesmas pessoas, presidem às mudanças económicas hoje operadas. Mas não é esta também a questão que vou abordar. Decorria ainda a guerra civil e já no interior das fileiras do leninismo se erguiam vozes para denunciar o carácter capitalista da nova sociedade que se estava implantando. Desde então os críticos de esquerda do regime soviético foram perspicazes na análise das relações de exploração resultantes da degenerescência da revolução russa. A bibliografia sobre o assunto é abundante e as transformações dos últimos anos retiraram urgência à questão. É outro o problema que agora me interessa, o da completa legitimidade democrática dos fascismos.
Apaga o criminoso os traços e assim fizeram as democracias logo a seguir à vitória na segunda guerra mundial. Os mecanismos de censura, tanto os oficiais como os ocultos, impediram ou dificultaram nos últimos quarenta e cinco anos a difusão da literatura política e económica fascista, apresentando-se esta vigilância como uma medida progressista e, portanto, com a suplementar vantagem de caucionar a actividade censória. Fundadas numa operação de esquecimento colectivo, as actuais democracias puderam reconstruir a seu gosto a história, deformando inteiramente o que fora o fascismo e, ao mesmo tempo, desnaturando o passado democrático.
A organização corporativa dos sectores de actividade económica, característica do fascismo, não era fundamentalmente contraditória do velho liberalismo. Durante a Revolução Francesa, em Junho do 1791 foi promulgada a lei Le Chapelier, que proibiu a associação dos trabalhadores para a defesa dos seus interesses, tanto sob a forma de simples reuniões, como a constituição de sociedades de auxilio mútuo e a organização de greves, alargando-se no mês seguinte estas disposições ao mundo rural. Como a lei d'Allarde, votada em Março desse ano, dissolvera o sistema tradicional das corporações de ofício e suprimira as manufacturas privilegiadas, poderia parecer que se procurava uma completa atomização da sociedade, correspondente aos mitos da livre-concorrência. Porém, a legislação que tão estritamente coarctava os trabalhadores dava ao patronato toda a latitude para organizar discricionariamente as empresas. E, ao mesmo tempo, criaram-se e reconheceram-se legalmente múltiplas instituições financeiras e económicas destinadas a permitir a harmonização das estratégias dos capitalistas e a conjugação das suas actividades. A burguesia não operou nunca fragmentada em unidades individuais, mas sempre inserida em teias de interesses e em corpos sociais mais amplos.
Por outro lado. enquanto a lei proibia severamente todos os tipos de associação que se devessem à iniciativa dos trabalhadores, difundiam-se entre o patronato mais esclarecido práticas paternalistas, mediante as quais eram postas à disposição dos assalariados habitação e formas de assistência. Os proprietários das empresas não se limitavam, nesse caso, a controlar indirectamente os operários, mediante o controle que exerciam sobre o processo de trabalho. Controlavam-nos directamente, fazendo-os viver no bairro da empresa, dando aos seus filhos instrução na escola da empresa, vigiando-lhes os hábitos, refreando-lhes os vícios, em resumo, mantendo-os arrebanhados e disciplinados durante as vinte e quatro horas do dia. Deste modo a classe operária, em vez de pulverizada numa multidão de átomos isolados, como se poderia deduzir pelo texto da lei, aparecia frequentemente dividida em corpos sociais relativamente vastos, sob o comando de chefes de empresa.
Foi a estes tipos de organização social, puro fruto do capitalismo democrático, que o fascismo veio dar uma forma mais sistemática. E como o fez numa época em que a classe dos gestores disputava já a iniciativa política e, portanto, quando os gestores da força de trabalho eram suficientemente fortes para terem inteiramente corrompido e burocratizado a organização sindical, o velho paternalismo de empresa pôde adquirir nova vitalidade apoiando-se no sindicalismo reformista ou, pelo menos, aceitando a sua colaboração.
Quanto ao enquadramento político e ideológico, e se deixar de lado o fascismo nipónico, que pelo seu carácter militarista decorre em grande parte de tradições anteriores à Restauração Meiji, posso talvez dividir os fascismos de origem europeia em três grandes categorias.
Regimes como, por exemplo, o salazarismo em Portugal, a regência de Horthy na Hungria, o reinado de Carol II na Roménia e também, durante a ocupação alemã da França, o governo de Vichy, reduziram a um mínimo a componente populista. Não assentaram os mecanismos do poder na excitação de enormes manifestações colectivas, nem a organização militarizada de grandes massas assumiu qualquer papel decisivo no funcionamento do aparelho de Estado. «A nossa Ditadura aproxima-se, evidentemente, da Ditadura fascista no reforço da autoridade, na guerra declarada a certos princípios da democracia, no seu carácter acentuadamente nacionalista, nas suas preocupações de ordem social», declarava Oliveira Salazar numa das conhecidas entrevistas com aquele que viria a ser o seu secretário da Propaganda Nacional. «Afasta-se, porém, nos seus processos de renovação. [...] Mussolini, como sabe, é um admirável oportunista da acção [...] Sentimo-lo, constantemente, entre o escol que ele soube formar, que o serve com tanta inteligência, e a rua, a que é forçado a agradar, de quando em quando.»1 Fascismos desse tipo, a que poderia chamar conservador, preferiam manter a população na indiferença política e eram por isso os herdeiros das correntes moderadas nas duas grandes revoluções burguesas, a de Cromwell e, século e meio mais tarde, a Revolução Francesa.
A revolução inglesa triunfante, tal como, em França, a lei eleitoral de 22 de Dezembro de 1789, a Constituição de 1791 e, depois, os regimes que se sucederam ao 9 Thermidor, estabeleceram sistemas em que eram os meios de fortuna a decidir da participação política e a hierarquia de rendimentos a condicionar o grau desta intervenção. Só a disposição de terras ou outros rendimentos, avaliados acima de dado montante, ou o pagamento de impostos superiores a um certo limiar conferiam a capacidade de votar; e podiam apenas ser eleitos aqueles que tivessem fortunas mais importantes ainda. A esmagadora maioria da população masculina, além da totalidade das mulheres, ficava assim absolutamente afastada mesmo das formas mais passivas e simbólicas de participação política. Boissy d'Anglas expôs o problema com clareza ao apresentar o projecto do que haveria de ser a Constituição do Ano III (1795): «Se derdes os direitos políticos sem reserva a homens desprovidos de propriedade e se eles vierem a tomar assento entre os legisladores, hão-de fomentar ou deixarão que se fomente a agitação sem lhe temerem os efeitos; estabelecerão ou deixarão que se estabeleçam impostos funestos para o comércio e a agricultura porque não terão sentido, nem receado, nem previsto as suas temíveis consequências, e por fim precipitar-nos-ão naquelas convulsões violentas de que mal acabamos de sair.»2. Perante uma audiência tão reduzida, a actividade governativa não assumia um carácter espectacular e processava-se exclusivamente na sombra, pela harmonização dos vários interesses regionais e das rivalidades entre os notáveis. Era este o sentido da democracia para todos os que consideravam o radicalismo dos Levellers ou o terror jacobino como uma ameaça à estabilidade da nova classe dominante.

Foi exactamente deste tipo de constitucionalismo moderado, aceite pelos neoliberais como um dos expoentes do capitalismo democrático, que os fascismos conservadores se constituíram herdeiros. Só que, numa época em que o declínio da burguesia começava a favorecer a ascensão da classe dos gestores, o critério das fortunas foi secundarizado perante o da competência técnica. E o exclusivo da iniciativa política reservou-se, não só aos grandes proprietários fundiários e aos grandes chefes de indústria, mas sobretudo aos principais gestores, quer participassem na propriedade privada do capital, quer o controlassem graças à detenção de postos decisivos nas administrações.
O fascismo conservador manteve-se também na tradição das grandes doutrinas racionalistas do século dezoito, tal como haviam sido revistas pelo positivismo na segunda metade do século dezanove. Charles Maurras, um dos fundadores e a principal figura da Action Française, não foi propriamente um fascista porque, embora defendesse uma concepção orgânica do Estado, preconizava igualmente a redução do seu âmbito de intervenção e a descentralização administrativa. Mas foi o mestre de toda uma geração de fascistas conservadores, que mobilizou contra as ideologias irracionalistas e intuicionistas, em nome de uma Razão e uma clareza formal quase voltaireanas. E, discípulo de Maurras, Salazar era também admirador de Auguste Comte. Este quadro ideológico racionalista e positivista, hegemónico em França na Terceira República, precisamente o expoente da democracia burguesa, não foi significativamente alterado pelos ideólogos do fascismo conservador, que se limitaram a temperá-lo com um catolicismo burocratizado, nos antípodas do misticismo.
O segundo tipo de fascismo encontrou o modelo no regime implantado por Mussolini em Itália. Aí, um dos mecanismos fundamentais do exercício do poder consistia no relacionamento directo do chefe com as massas e, em vez de ser estimulada a passividade política, como sucedia no fascismo conservador, a população era, pelo contrário, um figurante indispensável, vasto coro em cujas vozes ritmadas deviam ecoar as ordens e os apelos do supremo dirigente. Mas para que esta participação pudesse, sem riscos para a manutenção da ordem, ser elevada até à histeria colectiva, era necessário que as massas estivessem enquadradas militarmente em amplas organizações, que assumiam assim um papel importante no funcionamento do Estado. O fascismo italiano serviu de exemplo a muitos movimentos políticos e a outros regimes, nomeadamente ao Estado Novo de Getúlio Vargas, no Brasil e, na Argentina, ao regime de Perón, inspirando ainda, durante a segunda guerra mundial, os colaboracionistas franceses sediados em Paris. Quanto às forma de manipulação política o nazismo inseria-se no mesmo modelo e só o seu carácter mais especificamente racista me leva a referi-lo numa categoria à parte. Como neste tipo de regimes era indispensável a relação directa do chefe com a população, podemos denominá-los fascismo populista.
E não foi menos pura a sua legitimidade democrática. Se os fascismos de tipo conservador continuaram as formas de constitucionalismo moderado em que a participação política dependia do nível de fortunas, os de tipo fascista deram continuidade às formas burguesas radicais assentes no sufrágio universal, precisamente aquele que, de entre todos os sistemas, é comummente apresentado como o expoente máximo da democracia. Esta afirmação pode à primeira vista parecer completamente absurda, se não observarmos dois aspectos.
Em primeiro lugar, as noções de soberania popular e de representatividade dos eleitos, apresentadas como o fundamento de teorias políticas inteiramente positivas e prosaicas, aproximam-se pelo contrário das práticas mágicas. O poder, ou se tem, ou não se tem; e delegá-lo é perdê-lo, deixar de o ter. Nas democracias, como o capitalismo as conhece, o sufrágio mais não é do que um ritual em que a população, mal lhe afirmam que é depositária do poder soberano, vai publicamente renunciar a ele. E por qualquer magia de que só os constitucionalistas possuem o segredo esse poder, como um espírito desencarnado, voaria para os eleitos. Deste modo o poder que a camada dirigente já antes detinha é apresentado como se procedesse de uma população que jamais o deteve. A concepção fascista do chefe supremo como emanação da vontade colectiva das massas é exactamente do mesmo tipo da concepção burguesa democrática para a qual o poder dos eleitos resultaria de uma delegação popular mediante o sufrágio universal.
É que, em segundo lugar, é completamente assimétrica a relação entre o supremo dirigente e as massas e, para que possa residir num dos lados apenas a totalidade da iniciativa, torna-se necessário que no outro os indivíduos se mantenham reciprocamente isolados. Nada mais ambíguo aqui do que o termo massas, ele próprio decorrente do quadro ideológico em que estes sistemas políticos foram pensados e funcionaram. As massas não tinham qualquer razão própria de ser, nada unia directamente os indivíduos uns aos outros, pelo contrário, a sua presença em conjunto tinha como única justificação a relação de cada um com o chefe supremo. «No Estado fascista o indivíduo não é anulado, mas multiplicado, exactamente do mesmo modo que um soldado num regimento não é diminuído, mas ampliado, pelo número dos seus camaradas», escrevia Mussolini3. Ora, a universalidade do direito de voto é precisamente a forma que melhor consubstancia a atomização da população no isolamento individual. Para votar, as pessoas são retiradas das relações sociais em que correntemente se inserem, e o acto só será válido se reflectir a redução de cada um às fronteiras do seu próprio corpo. Contra o carácter de classe adquirido enquanto produtores, o sufrágio universal exprime o isolamento recíproco das pessoas enquanto consumidores, que corresponde ao mito livre-concorrencial,
Desde a sua origem, a generalização do voto e o culto do supremo dirigente foram aspectos indissociáveis de um mesmo processo. Na Revolução Francesa eram os moderados que pretendiam reservar a capacidade eleitoral aos cidadãos abastados e a Montanha, ao tornar-se a facção dominante, alargou esse direito a todos os adultos do sexo masculino. O sufrágio universal masculino foi praticado já nas assembleias eleitorais reunidas em Setembro de 1792 e igual sistema ficou previsto para a designação da Assembleia legislativa na nova Constituição, votada em Junho do ano seguinte, embora se tivesse logo em seguida decidido que não entraria em vigor enquanto a guerra durasse. Ao mesmo tempo os Jacobinos conseguiram passar sob o seu controle o movimento da Descristianização. Para compreendermos o significado desta campanha é necessário recordar que não se limitou a atacar os rituais da Igreja, mas substituiu-os por outros, e quanto às novas cerimónias e aos seus objectivos os Jacobinos entraram em franco antagonismo com as correntes populares. Quando a 20 Prairial do ano II (8 de Junho de 1794), mês e meio antes do golpe de Estado que levou à sua derrota e execução, Robespierre presidiu à Festa do Ser Supremo e da Natureza, foi ele sobretudo, o dirigente supremo, quem aí foi celebrado. Era uma nova religião e uma nova arte? David, o célebre pintor, organizara os cenários e fora o coreógrafo do cortejo, dois dos mais importantes compositores franceses da época, Méhul e Gossec, haviam escrito a música e Robespierre, elegantemente vestido e empoado, levando na mão as espigas e flores que simbolizavam a natureza, apresentou-se isolado ao povo de Paris, separado dos outros representantes à Convenção, afastado mesmo dos seus colegas do Comité de Salvação Pública. Arte e religião novas, sem dúvida, aquelas mesmas que mais tarde outros coreógrafos encenariam para Mussolini e Hitler. Robespierre foi o primeiro dos dirigentes políticos modernos a fundir num processo único o culto do chefe e a fragmentação popular subjacente ao sufrágio universal. Se o fascismo conservador encontrou a sua caução democrática na ala moderada da Revolução Francesa, a caução do fascismo populista deveu-se ao jacobinismo radical.

Ao longo do século dezanove alternaram na vida política capitalista duas grandes correntes. Uma, continuadora das tendências moderadas da revolução inglesa e da francesa, defendia um sistema conservador que tinha no parlamento a instituição principal, considerado como o lugar onde se resolviam discretamente as rivalidades na elite. A outra, herdeira das alas radicais de ambas as grandes revoluções burguesas, propunha um regime populista em que a generalização do direito de voto servia para sustentar um autoritarismo pessoalizado.
Contra o parlamentarismo, o carácter plebiscitário que os populistas desejavam imprimir à vida política atraiu elementos de extremos opostos da sociedade. O corpo de deputados representava o obstáculo de maior peso a qualquer relacionamento directo que o principal governante procurasse estabelecer com o eleitorado, por isso os populistas sempre atacaram as Assembleias, mostrando -o que não era difícil - que se limitavam a resolver mesquinhas querelas de família em detrimento do interesse geral. Esta crítica correspondia, por um lado, aos ódios daqueles aristocratas que não tinham conseguido operar uma reconversão económica e que o desenvolvimento do capitalismo arruinara; na extrema-direita do leque político, a sua hostilidade ao parlamento dos ricos vinha do facto, para eles indesculpável, de se tratar de novos-ricos. Mas o anti-parlamentarismo dos populistas seduzia também, na outra ponta do espectro, muitos activistas do movimento operário; transmutavam para o campo moral os temas da luta de classes e o combate à exploração económica apresentava-se então como uma mera denúncia da corrupção. E o tema anarquista da vontade individual livre e desregrada inspirou os candidatos a chefe supremo, que se pretendiam livres na sua autoridade e colocados, portanto, acima das normas. Contra o parlamentarismo conservador, a força política do populismo plebiscitário foi tanto maior quanto mais capaz se mostrou de articular ambos os extremos. Criaram-se nesta conjugação redes de relacionamento que permitiram, não só influências recíprocas, mas uma repetida oscilação de tantos políticos e tantas organizações entre a extrema-direita e a extrema-esquerda. Assim se gerou e desenvolveu o que viria a ser o fascismo, e as próprias vanguardas estéticas do século dezanove são em grande parte incompreensíveis fora deste contexto.
Por isso convergiram na ideologia do fascismo populista duas grandes correntes do pensamento burguês do século dezanove. O racionalismo positivista não foi posto em causa e era o sistema a que se recorria para conceber fenómenos restritos à esfera das pessoas comuns na vida corrente. Em tudo, porém, que dissesse respeito à acção do chefe supremo e à sua relação com os elementos das massas, era apenas o irracionalismo que se invocava. Certas escolas de pensamento jurídico conjugaram as duas correntes, definindo como loucos tanto o grande criminoso, como o grande génio. À generalidade das pessoas, aos cidadãos respeitadores, que são os pequenos infractores, aplicava-se a bitola do comportamento normal, compreensível no quadro do racionalismo positivista. Os grandes violadores, porém, tidos como exteriores à normalidade, só em termos de irracionalismo deveriam ser entendidos. Da anormalidade negativa, a do crime, a sociedade defendia-se pela execução capital ou pelo isolamento carcerário. Mas a anormalidade do génio era criativa e precisamente por isso poderia revitalizar o mundo da normalidade. Até aqui, nada havia que saísse do banal tema romântico do artista acima da sociedade. Mas o populismo fascista foi mais longe e apresentou o chefe político como um artista da política. Hitler «acabou praticamente por identificar arte e política. E isto, como explicava ao Congresso do partido em 1936, porque tanto a arte como o Estado são produto de uma força criativa, a que dava designações variadas: «vontade autoritária» ou ainda a «capacidade política de criar formas». Derivam da vontade política, tanto a forma do Estado, como as formas das artes [...]. Os intérpretes da força criativa são, segundo Hitler, o artista por um lado e, por outro, o político. É típico que fale de um e outro em termos praticamente permutáveis.»4. Para os indivíduos da massa a razão e o racional; para o dirigente, enquanto artista, a intuição no irracional. Nas vésperas da Marcha sobre Roma, que lhe daria o poder, bradava Mussolini: «Criamos o nosso próprio mito. Esse mito é uma fé, é uma paixão. Não é necessário que seja uma realidade. É uma realidade pelo facto de ser um punho, de ser uma esperança, de ser uma fé, de ser coragem.»5. Passados bastantes anos, numa linguagem mais sóbria, esta concepção mantinha-se inalterada: «Uma doutrina não deve ser um mero exercício verbal, mas um acto de vida; e assim o valor do Fascismo reside no facto de estar raiado de pragmatismo, mas ter ao mesmo tempo uma vontade de existir e uma vontade de poder [...].»6. E ao justificar assim a sua acção o chefe fascista podia invocar a dupla caução das grandes tradições filosóficas do século dezanove.

Deve distinguir-se ainda um terceiro tipo de fascismo, o hitleriano. Tendo conseguido escapar à chacina que Hitler desencadeou na célebre noite de Junho de 1934 contra a ala radical do partido, Otto Strasser encontrou um temporário asilo em Itália, onde se queixou a Mussolini da falta de interesse do Führer pelas questões sociais. Mussolini teria comentado que Hitler, por nunca ter sido um revolucionário, não poderia agora ser um verdadeiro fascista. O antigo sindicalista e chefe de redacção do órgão oficial do Partido Socialista italiano queria dizer que só quem tivesse directamente participado na burocratização do movimento operário podia obter a experiência necessária para manipular as massas. Enganava-se. Hitler foi um revolucionário, talvez o mais revolucionário dos políticos capitalistas, porque as transformações que imaginava realizar seriam tão profundas que, para ele, deixariam sem sentido a questão social. Já em 1930, numa acesa discussão com Otto Strasser, declarara que «as únicas revoluções são as revoluções raciais; não pode ocorrer uma revolução política, ou económica, ou social -o que há sempre e apenas é a luta da camada mais baixa de raça inferior contra a raça superior dominante e esta perde a partida se esquecer as leis da sua existência.»7. E, após ter tomado o poder, repetia a um dignitário nazi que «qualquer política que não tenha uma base biológica ou objectivos biológicos é uma política cega.»8.
É tão grande a camada de esquecimento e as posteriores adulterações a que a máquina de propaganda das democracias se tem dedicado, que se torna necessário expor, na sua abjecção e pavorosa demência, o programa racista dos hitlerianos. No quadro das minhas concepções, empregando exclusivamente categorias sociais, devo enunciar uma doutrina que foi proclamada mediante critérios fundamentalmente rácicos. Daí uma inevitável tensão nas formas de expressão, entre os termos usados e a referência aos alheios. Mas é isso mesmo a análise crítica.
Os nazis pretenderam levar a cabo uma colossal experiência biológica, de que resultaria a criação de uma «raça superior». Hitler nem era um nacionalista, nem afirmava que os Alemães constituíam já essa raça dominadora. Era num quadro europeu, e não estritamente alemão, que ele pensava a sua actuação política, e os povos germânicos ou, mais latamente, nórdicos, constituiriam a base apenas a partir da qual a «raça superior» haveria de ser criada. Para esse fim os SS revelaram-se a instituição adequada. Esperava-se que uma rigorosa selecção dos seus membros, tendo em conta características biológicas, e um sistema autoritário ordenando e condicionando os acasalamentos, permitissem num prazo relativamente curto a criação extensiva de uma raça de chefes. A oeste a «raça superior» organizar-se-ia numa sociedade de tipo capitalista. A leste ficam os países dos Eslavos, considerados pelos nazis como uma «raça inferior», os sub-homens. Instaurar-se-ia aí um regime de escravismo de Estado, de que o aparelho político-militar dos SS constituiria a ossatura repressiva e económica e que conheceu um princípio de aplicação com a ocupação alemã durante a segunda guerra mundial.
Este programa tinha por objectivo que, na sociedade capitalista estabelecida no Ocidente, os patrões e os trabalhadores sentissem a alegada irmandade rácica acima das clivagens sociais e, por conseguinte, os antagonismos de classe fossem resolvidos em termos biológicos. Além disso, a exploração maciça dos escravos de Leste, directamente submetidos ao aparelho de Estado, beneficiaria a globalidade da sociedade ocidental, contribuindo para aumentar aí o nível de vida dos trabalhadores e -esperava-se -atenuar mais ainda as suas reivindicações. Por outro lado, o carácter infra-humano atribuído aos Eslavos, defrontados com a supremacia exercida pela nova «raça», impediria qualquer revolta séria da força de trabalho escravizada e relegaria, aqui também, para um plano meramente acessório a questão social. E assim, com este programa de apartheid executado numa dimensão continental, os nazis contavam instaurar uma sociedade de exploração perfeitamente estável, o império da mais absoluta ordem. Hitler teria declarado em 1932 a um círculo restrito de dirigentes do seu partido, encarregados do programa rácico e de expansão territorial: «É necessário que, de uma vez para sempre, uma Europa germânica crie as bases políticas e biológicas que serão os factores perpétuos da sua existência. [...] Estamos hoje perante a implacável necessidade de criar uma nova ordem social. [...] A sociedade sem classes dos marxistas é uma loucura. A ordem implica sempre uma hierarquia. Mas a concepção democrática de uma hierarquia baseada no dinheiro não é uma loucura menor. Uma verdadeira dominação não pode nacer dos lucros arriscados resultantes das especulações dos homens de negócios. [...] A verdadeira dominação só pode nascer onde existir a verdadeira submissão. Não se trata de suprimir a desigualdade entre os homens mas, pelo contrário, de a amplificar e transformá-la numa lei protegida por barreiras intransponíveis, como nas grandes civilizações dos tempos antigos.»9. Deixemos os tempos antigos, era no imediato que os hitlerianos pretendiam alicerçar numa revolução biológica um indestrutível regime de exploração.

À «raça superior» atribuíam-se por isso as características intelectuais adequadas à criação e à manutenção de uma sociedade de exclusiva ordem: o espírito de síntese, a capacidade de fazer prevalecer a união sobre as cisões, as hierarquias sobre os conflitos, o todo sobre as partes. Mas, para que a «raça superior» fizesse triunfar essa ordem estável e inaugurasse o Reich dos mil anos, seria necessário aniquilar primeiro a «raça» privada de espírito de síntese, os críticos propensos a analisar o todo na contraditoriedade das suas partes, os subversores que sempre ameaçam as hierarquias com os conflitos. E quem melhor os podia representar, senão aquele povo que, há dois mil anos expulso da pátria de origem, se revelara incapaz, tanto de se deixar assimilar pelos Estados que o acolheram, como de fundar um Estado próprio? Para quem considerava o Estado como a suprema manifestação da ordem, o Judeu errante, condenado à eterna diáspora, simbolizava a vocação da desordem. O catálogo das peculiaridades intelectuais necessariamente atribuídas aos Judeus e à «raça superior» foi muito desenvolvido e detalhado pelos partidários da Física Ariana. Dois prémios Nobel, Philipp Lenard e Johannes Stark, animaram um movimento de universitários e invetigadores que pretendiam reconstruir a física sobre bases rácicas, considerando a teoria quântica e a relatividade como tipicamente judaicas em virtude do seu carácter dedutivo e pela prática sistemática da abstracção quantitativa. Enquanto a «raça superior» se distinguiria pelo raciocínio indutivo e pelo prevalecimento do concreto qualitativo e, por isso, seria capaz de conceber a natureza como um todo e de praticar a experimentação científica como uma fusão do experimentador nesse todo. «Era um axioma entre todos os nacionais-socialistas a rejeição de quaisquer formas de materialismo e a adopção da ideia de uma natureza animada por um espírito omnipresente. A comunhão com esse espírito permitia adivinhar a ordem hierárquica natural das coisas, incluindo a necessidade de que um Führer conduzisse um povo na luta pela existência.»10. Sem interesse actual para a ciência, as elucubrações da Física Ariana são importantes porém para definir a ordem como o supremo critério de distinção entre as «raças». E assim todos os judeus começaram a ser perseguidos, mais tarde exterminados, como subversores. E todos os críticos, comunistas e social-democratas, foram de imediato perseguidos e em grande parte exterminados enquanto Judeus. Socialistas e comunistas sem nenhum antepassado judaico eram condenados como Judeus, do mesmo modo que o eram judeus francamente reaccionários ou conservadores.

O programa de genocídio anti-semita, a que a generalidade da grande imprensa hoje resume o fascismo alemão, não foi uma mera continuação dos pogroms que começaram a difundir-se na Europa a partir da Primeira Cruzada. Estes deveram-se à diferença de religiões, mas a perseguição nazi teve implicações muito mais amplas. Num quadro ideológico estritamente racista não podia deixar
de se atribuir uma referência rácica ao inimigo, a qualquer inimigo. Pretendendo exterminar os Judeus estava sobretudo a perseguir-se os adversários da ordem capitalista, os críticos, os opositores. E é precisamente isto que os sustentáculos actuais do capitalismo querem fazer esquecer. A campanha anti-semita foi um corolário das medidas destinadas a criar uma raça alegadamente superior. São essas medidas a questão central, de que todas as outras decorrem. Reduzir o nazismo a um anti-semitismo vulgar corresponde a ocultar toda uma problemática de manutenção e reforço da ordem, deixando além disso sem explicação o sistema de escravismo de Estado a que estavam votados os Eslavos. Mas é indispensável às democracias actuais confundir o fascismo hitleriano com um tipo de perseguição aos Judeus anterior ao capitalismo, para ocultar que, quanto ao aspecto central e específico do seu racismo, os nazis encontraram nas democracias as mais legítimas credenciais.
A transição da primeira para a segunda metade do século dezanove marcou urna profunda viragem nas formas de racismo prevalecentes na Europa. Até então as culturas eram exclusivistas e cada uma sobrevivia pela negação das outras. Mas se povos com crenças, línguas e formas de organização diferentes podiam ser considerados inferiores, essa alegada inferioridade cultural e social não se projectava geralmente numa inferioridade biológica. É certo que se documentam exemplos de conversão do ostracismo civilizacional numa pretensa hierarquia de capacidades intelectuais, mas eram casos pouco frequentes, reduzidos a pessoas ou meios restritos. Se a generalidade de uma população desdenhava o falar das outras, os seus hábitos, até a cor, não desprezava por isso as aptidões de cada indivíduo. Todos os grandes impérios consideraram bárbaros os vizinhos, mas um bárbaro que se pusesse ao serviço da sociedade rival e demonstrasse talentos podia ascender aos mais altos postos, chegar até ao trono. Na segunda metade do século ezanove, porém, generalizou-se nos países europeus uma nova concepção e o racismo passou a ter implicações biológicas, supondo-se que a uma cultura alegadamente inferior corresponderia uma inferioridade nas capacidades cerebrais.
Esta transformação fica ilustrada com especial clareza se compararmos duas das obras de Darwin. A primeira, publicada em 1839 com o título Journal of Researches into the Geology and Natural History of the Various Countries Visited by H.M.S. Beagle, 1832-36, tornou-se correntemente conhecida como The Voyage of the Beagle. Darwin revela aí uma profunda compreensão das relações sociais e das culturas de povos que, ao mesmo tempo, desdenhava pelas suas limitações tecnológicas e pela ausência de Estado. Por exemplo, depois de descrever as atrocidades que na Argentina as tropas de Rosas estavam a cometer na guerra contra os índios, observa: «É triste descobrir como os índios cederam perante os invasores espanhóis. Schirdel diz que em 1535, quando foi fundada Buenos Aires, havia aldeias com dois e três mil habitantes. Mesmo no tempo de Falconer (1750) os índios organizavam expedições contra lugares tão distantes como Luxan, Areco e Arrecife, mas agora estão remetidos para além do Salado. Não só foram exterminadas tribos inteiras, mas os que restam tornaram-se mais selvagens; em vez de habitarem grandes aldeias e se dedicarem aos ofícios da pesca e da caça, vagueiam agora pelas planícies, sem casa ou ocupação fixa.»11. É uma análise especialmente interessante por mostrar que a situação das populações indígenas na época não correspondia a quaisquer características próprias, resultando de uma degradação exclusivamente provocada pelos invasores. E tendo dedicado páginas a observar, sempre com compreensão e frequentemente com grande argúcia, o tipo de vida dos nativos do extremo sul das Américas, afirma a relação entre as formas sociais e as condições económicas e políticas: «A perfeita igualdade existente entre os indivíduos que compõem as tribos da Terra do Fogo há-de atrasar por muito tempo a sua civilização. [...] Quer se considere como uma causa, ou como uma consequência, são sempre os mais civilizados que têm as formas de governo mais artificiais. [...] Na Terra do Fogo, até que surja algum chefe com poder suficiente para se apoderar de qualquer vantagem adquirida, por exemplo os animais domesticados, não se afigura possível melhorar o estado político da região. Mesmo uma peça de tecido dada a alguém é rasgada em pedaços e distribuída; e nenhum indivíduo se torna mais rico do que outro. Por outro lado, é difícil entender como possa vir a surgir um chefe sem que haja antes algum tipo de propriedade que lhe permita manifestar a sua superioridade e aumentar o seu poder.»12. Não importa que Darwin considere aqui uma sociedade tanto mais perfeita quanto mais desiguais forem as fortunas e opressivo o Estado. O fundamental é que explica a situação daquelas populações em termos estritamente sociais, não rácicos.
E no entanto, quando em 1874 Darwin publicou a segunda edição, ampliada, de The Descent of Man and Selection in Relation to Sex, a perspectiva mudara radicalmente. O pressuposto do livro é a inferioridade biológica dos povos que vivem em sistemas sem propriedade, ou com um grau reduzido de diferenciação das fortunas, e sem Estado, ou sob formas rudimentares de opressão. Sempre que refere diferenças de raça é explícito que se trata de uma hierarquia, sendo os Brancos considerados superiores e ficando os Anglo-Saxónicos acima dos demais. E esta tese, que serve de fio condutor a toda a obra, é por vezes enunciada com flagrante rudeza e concisão, por exemplo ao afirmar: «A convicção de que existe no homem uma estreita relação entre a dimensão do cérebro e o desenvolvimento das faculdades intelectuais apoia-se na comparação dos crânios das raças selvagens e civilizadas, dos povos antigos e modernos, e por analogia com toda a série dos vertebrados.»13. E «os poderes mentais dos animais superiores não diferem em género, ainda que o façam muito em grau, dos poderes correspondentes do homem, especialmente das raças inferiores e selvagens [...].»14. Esta distância menor que separaria as raças inferiores dos animais superiores explicaria, sem dúvida, «a forte tendência observada nos nossos aliados mais próximos, os macacos, nos idiotas microcéfalos e nas raças selvagens da humanidade para imitar tudo aquilo que ouçam e lhes desperte a atenção [...].»15. Ao mesmo tempo passou também a considerar as mulheres física e mentalmente inferiores aos homens; será bom nunca esquecer que a conversão do racismo numa gradação biológica se operou conjuntamente com idêntica transformação no sexismo. Porém Darwin, se se tornou um racista, não deixou por isso de ser um grande cientista e a argumentação que emprega ilustra involuntariamente este paradoxo. No primeiro terço do livro afirma a inferioridade biológica dos povos que julga selvagens e propõe-se em seguida explicá-la. Para isso introduz a noção de selecção sexual mas tudo o que consegue, nos restantes dois terços da obra, é tentar justificar as diferenças de cor e de fisionomia, sem que nunca, nem numa linha sequer, possa daí inferir qualquer hierarquização das capacidades mentais. E assim ficou por demonstrar aquela que, para ele, seria precisamente a questão. Os discípulos estiveram longe de ter a probidade do mestre. Que se passara entretanto, para provocar uma mutação tão cabal?
Até então a expansão dos Europeus em direcção à África e ao Oceano Pacífico tivera objectivos predominantemente comerciais e assentara na fundação de entrepostos, mantendo relações de tráfico com as sociedades autóctones. O desenvolvimento da indústria nas metrópoles obrigou a uma profunda remodelação da estratégia colonial, que passou a visar principalmente a obtenção de alguns tipos de alimentos e de matérias-primas, quer pela extracção, quer pelo estabelecimento de grandes plantações. Mas para isso seria necessário converter ao assalariamento povos que, enquanto parceiros comerciais, tinham conservado os seus sistemas económicos próprios, e uma destruição metódica dos modos de produção tradicionais não poderia ocorrer sem a ocupação dos territórios. As guerras de conquista que as democracias europeias desencadearam em África na segunda metade do século dezanove, e que levaram à reunião da Conferência de Berlim em 1884-1885, foram a condição prévia à assimilação de povos que haviam antes sido aliados. E a obtenção de trabalhadores para as minas e plantações conseguiu-se com um misto de pressões económicas e fiscais permanentes, de enquadramento administrativo e de violência pura, resultando numa peculiar conjugação de assalariamento e trabalho forçado. Este processo de anulação de soberanias e de implantação dos novos sistemas de trabalho fez-se acompanhar, na consciência democrática europeia, pela convicção da inferioridade biológica dos povos de pele escura. O que se passara já em vastas regiões das Américas confirma esta análise. Desde há séculos que aí se mobilizavam grandes equipas de escravos, especialmente Negros importados de África, empenhados numa produção directamente destinada ao mercado mundial. E de igual modo as vítimas do sistema foram consideradas biologicamente inferiores pelas classes dominantes locais. As novas concepções de racismo eram necessárias para justificar aos Europeus a destruição dos modos de produção pré-capitalistas, a completa desorganização social de vastas populações e a integração de muitos dos seus elementos, sob a imediata e rigorosa vigilância dos colonos, num sistema de trabalho cuja razão de ser lhes escapava inteiramente por estar em relação directa com os grandes circuitos do comércio mundial.
As Sociedades de Geografia, que proliferaram a partir da segunda metade do século dezanove, constituíram, a infra-estrutura do novo tipo de colonialismo. Graças às expedições e pesquisas que patrocinavam e àquelas cujos resultados difundiam, as campanhas militares podiam ser mais cuidadosamente preparadas e redobrava-se a eficácia da ocupação territorial e do posterior enquadramento administrativo. Ao mesmo tempo a estratégia expansionista era justificada mediante o aprofundamento e a divulgação das novas formas de racismo. E em breve, graças sobretudo à acção das Sociedades de Geografia, este conjunto de orientações pôde ser integrado numa nova disciplina académica, a Geografia Política, depois denominada Geopolítica.
A Geopolítica pretendia explicar a necessidade sentida pelo capitalismo de afirmar o seu poder sobre novos e vastos territórios, atribuindo-a, não à dinâmica económica, mas a pretensos interesses históricos de povos entendidos não menos miticamente. E assim as aspirações imperiais das classes dominantes europeias e norte-americanas justificar-se-iam pelas cedências e a submissão que a alegada superioridade dos povos de pele clara necessariamente imporia aos povos, considerados inferiores, de pele mais escura, negra ou amarela. Nascida nas instituições universitárias e administrativas das democracias e aí desenvolvida, nomeadamente na Grã-Bretanha pela acção de Halford Mackinder, membro da ala mais imperialista do Partido Conservador e que, ao serviço do seu governo, desempenhou em 1919 um importante papel na guerra civil russa como conselheiro político das forças brancas, a geopolítica iria contribuir para a formação do pensamento de Hitler. O expoente desta disciplina na Alemanha de entre as duas grandes guerras, o general e geógrafo Karl Haushofer, foi, na Universidade de Munique, professor de Rudolf Hess, de quem se tornou amigo pessoal. E é bem conhecido que Hess, membro do partido nazi desde 1920, onde viria a ocupar o segundo lugar até à sua bizarra partida para a Grã-Bretanha durante a guerra, gozava então da inteira confiança de Hitler e ajudou -o quando ele, na cadeia, escrevia o Mein Kampf. Foi assim que Hitler teve oportunidade de aproveitar amplamente as doutrinas geográficas em voga. O cordão umbilical que unia o fascismo alemão às democracias ficou reforçado.
A Eugenia foi a outra das novas disciplinas académicas, desenvolvida nos regimes democráticos, que participou decisivamente na formação do quadro ideológico do nazismo. Directo continuador da obra de Darwin, o seu primo Francis Galton, fundador da Eugenia, desenvolveu o racismo em dois aspectos que se revelarão de grande importância. Por um lado, considerou em termos biológicos, não só as diferenças de situação entre os povos, mas também as diferenças sociais no interior de cada povo, de maneira que a elite da classe dominante seria superior, tanto sob o ponto de vista físico como mental, e os descendentes destas famílias herdariam as qualidades dos pais. Assim, Galton fundiu numa justificação única o domínio de uns povos sobre outros e, no interior de cada sociedade, de uma classe sobre a outra, explicando-os ambos pela superioridade biológica. Intimamente relacionada com esta concepção está a sua defesa de uma estratégia biológica, considerando necessária uma intervenção directa e sistemática na evolução humana, mediante o condicionamento dos acasalamentos, de maneira a aperfeiçoar a raça. A futura política hitleriana ficava assim já traçada nas suas linhas fundamentais. Aliás, a tese de Galton de que a genialidade era uma característica transmissível hereditariamente havia recebido a concordância de Darwin, que formulou ele próprio um verdadeiro programa de genocídio social e rácico.

Em primeiro lugar, Darwin abordou o problema de como assegurar, no interior de um mesmo povo ou sociedade, a supremacia dos que a si próprios se julgavam superiores relativamente aos considerados inferiores. «Entre os selvagens,» escreveu ele na sua grande obra sobre a evolução humana, «rapidamente são eliminados os indivíduos física ou mentalmente fracos; e os sobreviventes demonstram geralmente uma saúde vigorosa. Nós, os civilizados, pelo contrário, fazemos todo o possível por travar o processo de eliminação; construímos hospícios para os atrasados mentais, os aleijados e os doentes; promulgamos leis de auxílio aos pobres; e os nossos médicos empenham-se com toda a habilidade em salvar a vida de cada um até ao último momento. [...] Assim se propagam os membros fracos das sociedades civilizadas. Ninguém que tenha participado na criação de animais domésticos pode duvidar de que isto é forçosamente muito prejudicial à raça humana.» Mas ao chegar a este ponto Darwin intimidou-se nas conclusões, por considerar que a simpatia manifestada para com os fracos se integrava em formas de comportamento necessárias ao próprio tecido social. E consolou-se com a reflexão de que, pelo menos, «os membros inferiores e mais fracos da sociedade não se casam com tanta liberdade como os vigorosos », além da existência de factores institucionais que, mediante os mecanismos da selecção, beneficiariam os mais aptos física e mentalmente. Pôde assim concluir: «Embora a civilização trave de muitas formas a acção da selecção natural, parece favorecer um melhor desenvolvimento do corpo […]. Isto pode deduzir-se do facto de os homens civilizados, quando comparados com os selvagens, terem-se revelado mais fortes fisicamente.». Quanto às qualidades intelectuais, Darwin afirmou em seguida: «Se os membros de cada escalão da sociedade fossem divididos em dois corpos iguais, incluindo um os intelectualmente superiores e o outro os inferiores, não pode haver praticamente dúvidas que os primeiros teriam mais êxito em todas as profissões e criariam um maior número de filhos. […] Deve por isso haver nas nações civilizadas uma certa tendência para o aumento, tanto no número como no nível, dos intelectualmente aptos.» Apesar de tão agradável constatação, Darwin não era inteiramente optimista. « Nos países civilizados, um dos mais importantes obstáculos ao aumento numérico dos homens de uma categoria superior [...] [é] o facto de os mais pobres e imprevidentes, tantas vezes degradados pelo vício, [...] tenderem a multiplicar-se a uma taxa mais rápida do que a dos indivíduos previdentes e em geral virtuosos.»
Porém, actuariam igualmente em sentido contrário outros mecanismos da selecção natural, além de instituições sociais, levando os pobres, os imorais e os criminosos a sofrer uma maior taxa de mortalidade. Esta complexa articulação de forças opostas em caso nenhum levaria a resultados garantidos: «Se os vários obstáculos especificados [...], e, talvez outros ainda desconhecidos, não impedirem os imprevidentes, os depravados e os restantes membros inferiores da sociedade de aumentar a uma taxa mais rápida do que a dos homens de melhor categoria, a nação retrocederá, como sucedeu já tão frequentemente na história do mundo. Devemos lembrar-nos de que o progresso não é uma regra invariável.»16. Foi precisamente neste ponto que as teses de Galton continuaram as de Darwin, suprindo-se as incertezas da selecção natural com a intervenção segura «dos homens de melhor categoria». Aliás, já noutra passagem da mesma obra Darwin esteve à beira de conceber esse tipo de actuação, ao escrever que «o homem se distingue muito de qualquer animal estritamente domesticado, porque a sua criação nunca foi controlada durante muito tempo, quer por uma selecção sistemática, quer inconsciente. Nenhuma raça ou corpo de homens foi subjugada tão completamente por outros homens que alguns indivíduos fossem conservados, e assim seleccionados inconscientemente, por de algum modo serem da maior utilidade para os seus senhores.»17. Só pode chegar-se a um grau tão extremo de antecipação histórica quando o lugar das doutrinas e práticas futuras está já exactamente marcado.
Ainda que Darwin hesitasse quando analisava a questão rácica no interior de uma mesma sociedade, tudo parecia esclarecer-se ao passar para o confronto entre povos. A superioridade branca, nomeadamente anglo-saxónica, encontraria confirmação na própria expansão imperialista, que Darwin entendeu como uma verdadeira estratégia de genocídio. «A extinção resulta sobretudo da rivalidade entre tribos e entre raças. [...] Quando nações civilizadas entram em contacto com selvagens a luta é breve [...] o cultivo da terra será, de maneiras diversas, fatal para os selvagens, que não podem, ou não querem, mudar de hábitos. Nalguns casos novas doenças e vícios revelaram-se muitíssimo destrutivos» e Darwin continua a enunciar um catálogo de formas de extinção das populações autóctones resultantes da introdução de novas instituições económicas e administrativas e de novos tipos de vida, sem esquecer o extermínio provocado mais directamente pelas campanhas militares18. A este respeito já não tinha dúvidas quanto ao sentido prevalecente nos mecanismos de selecção. «O nível de civilização parece ser um elemento da maior importância no êxito de nações rivais.» E poucas linhas depois, com igual convicção, escrevia, a propósito de um dado caso, que «a morte seguiu-se às tentativas de civilizar os nativos.»19. Se aquela mesma «civilização» que assegurava o triunfo de uns garantia a liquidação dos outros, então tudo corria bem no melhor dos mundos. «Numa época futura que não há-de distar muitos séculos, as raças civilizadas do homem decerto exterminarão em todo o mundo, e substituirão, as raças selvagens .»20.
Na sequência da acção de Galton, as Sociedades de Eugenia proliferaram nos meios universitários das democracias europeias e norte-americana, empenhando-se mais profundamente ainda do que o fundador no programa racista. E o racismo recebeu a consagração oficial no direito internacional das democracias quando a Sociedade das Nações, fundada em 1919 por iniciativa das potências vencedoras na primeira grande guerra, se recusou a introduzir nos seus estatutos uma cláusula de igualdade racial, proposta pelo Japão e pela China. Embora o presidente Woodrow Wilson tivesse sido um dos mais activos promotores da Sociedade das Nações, os Estados Unidos acabaram por se auto-excluir, em virtude da posição isolacionista tomada por grande parte do Senado; o que não impediu os dirigentes do país de agravarem eles próprios as medidas racistas. Os eugenistas, cujas campanhas contra a imigração se haviam iniciado nos Estados Unidos antes ainda do começo deste século, beneficiaram de um crescente apoio dos meios políticos e o Congresso aprovou em 1924 a National Origins Quota Law que, além de estabelecer um limite máximo ao número de imigrantes aceite anualmente, fixava as suas origens nacionais consoante critérios destinados a orientar a composição étnica da população norte-americana. Ao mesmo tempo, e por influência também das Sociedades de Eugenia, começava a difundir-se a esterilização de várias categorias de doentes mentais e de pessoas consideradas criminosas ou moralmente pervertidas. Na década de 1930 numerosos estados dos Estados Unidos e algumas das mais modelares democracias europeias haviam promulgado legislação neste sentido.

Bastante antes de os nazis conquistarem o poder já as democracias tinham criado, desenvolvido e aplicado um programa racista que não só afirmava a existência de uma hierarquia de capacidades mentais e físicas consoante as cores de pele e os estratos sociais, mas propunha-se igualmente, mediante normas legais, conduzir uma actividade selectiva de modo a orientar a evolução biológica. O racismo hitleriano distinguiu-se do racismo democrático apenas sob o ponto de vista administrativo, pois era num quadro altamente centralizado que pretendia produzir a «raça superior», enquanto as democracias, articulando vários centros de poder, propunham-se chegar de outra maneira ao mesmo objectivo. Mas esta diferença de actuações não se restringia ao racismo, decorrendo das formas de organização a que, neste campo como em todos os outros, obedeciam os aparelhos de Estado. Quanto à ideologia e aos seus objectivos, os projectos de Hitler inseriram-se legitimamente no quadro da geopolítica e da eugenia, dispondo portanto das mais puras credenciais democráticas.
Nem era menor a sua legitimidade democrática quando recorriam às formas mais delirantes da atrocidade para aplicar o programa rácico. É bem conhecido o horror dos campos de concentração nazis, mas os democratas cobrem com um espesso silêncio a transformação de vastíssimos territórios colonizados em puros campos de concentração. Os regimes parlamentares eram uma forma política adequada ao tipo de economia prevalecente nas metrópoles; e este aspecto do sistema capitalista não podia existir sem o seu complemento, a exploração colonial, com as atrocidades sistemáticas e o terrorismo de Estado necessários para introduzir o trabalho assalariado entre populações que toda uma cultura prendia a outros modos de produção. Democracia e terror colonial foram duas faces da mesma realidade. Só o emprego extensivo de variadas formas de crueldade, não só as punições físicas, mas a permanente humilhação social e psicológica, pôde converter, no espaço de uma geração, populações seguras de si, ou tantas vezes arrogantes, numa mssa submissa. Para que a vida se processasse nos termos requeridos pelo colonialismo era indispensável desagregar os sistemas sociais existentes e a tarefa não foi entregue à livre iniciativa dos colonos. Foi planeada e superiormente dirigida pelas classes dominantes nas metrópoles democráticas. Tratava-se de deixar esses povos sem qualquer compreensão do presente, de modo a serem roubados do futuro. Deixá-los desprovidos de passado foi o verniz ideológico deste programa e para isso os universitários recusaram a dignidade da História a todas as histórias que não tivessem conduzido à civilização europeia e negaram a igualdade biológica dos povos que sustentavam culturas diferentes. Seria impossível fazer aqui o catálogo das crueldades praticadas nas colónias pelas democracias. Seria inútil também, porque o principal horror reside na possibilidade de empregar sistematicamente tais métodos, e não no facto de mais um, ou dez, ou mil mutilados se juntarem à soma.










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O neoliberalismo precisa de reconstruir a história e a ilusória pureza de que reveste os seus antecedentes é o espelho da falsidade com que opera no presente. O mundo mudou. Enquanto territorialização do expansionismo e reforço do aparelho clássico de Estado num único pólo centralizador, o fascismo, tal como existiu entre as duas guerras mundiais, está encerrado. A dinâmica capitalista deve-se agora às grandes empresas multinacionais que, deixando as fronteiras sem significado, estabelecem uma rede económica e política que não sustenta já territórios contínuos e homogéneos. E, inter-relacionando-se numa multiplicidade de pólos principais, as grandes sociedades multinacionais e as principais administrações alicerçaram um novo sistema de poder, que exercem de forma pluricentrada e no qual as maiores empresas assumem funções directamente políticas. Ao mesmo tempo, a internacionalização do capital fez com que se encontrem à frente das mesmas empresas e das grandes burocracias supranacionais gestores das mais variadas origens e cores de pele, o que inevitavelmente alterou os termos em que o racismo pode ser formulado. Para entendermos, porém, as democracias contemporâneas como um estádio superior, e tanto mais grave, da repressão camuflada, do controle oculto, da imperceptível manipulação, não devemos esquecer que têm sempre sido estruturalmente inseparáveis das formas mais abjectas de opressão. Se pudessem olhar para o interior de si próprias e para o seu passado como, na novela célebre de Joseph Conrad, o Sr. Kurtz à beira de morrer, exclamariam com ele: « O horror! O horror! »



Notas


1 António Ferro, Salazar, o Homem e a sua Obra, s.1.: Empresa Nacional de Publicidade, 1933,
pp. 73-74.
2 Albert Soboul, La Révolulion Française [Paris]: Gallimard, 1964, vol. II, pp. 176-177.
3 Benito Mussolini, «The Political and Social Doctrine of Fascism», Internalional Conciliation, n.º 306, Janeiro de 1935, reproduzido em Charles F. Delzell (org.) Mediterranean Fascism 1919-1945, New York: Walker, 1971. A frase citada encontra-se na pág. 105.
4 Barbara Miller-Lane, Architettura e Política in Germania 1918-1945, Roma: Officina Edizioni, 1973, pp. 242-243.
5 O discurso de Mussolini no Congresso do partido em Nápoles em Outubro de 1922 vem parcialmente transcrito em Ch. F. Delzell, op. cit. A passagem citada está na pág. 42.
6 B. Mussolini, «The Political and Social Doctrine of Fascism» em ibid. A frase reproduzida encontra-se na pág. 103.
7 Alan Bullock, Hitler, A Study in Tyranny, Harmondsworth: Penguin, 1972, pp. 157-158.
8 Hermann Rauschning, Hitler m'a dit, Paris: Coopération, 1939, pág. 274.
9 Id., ibid., pág. 59.
10 Alan D. Beyerchen, Scientists under Hitler. Politics and the Physics Community in The Third Reich, New Haven e Londres: Yale University Press, 1977, pp. 126-127. Porém, entre outras deficiências, a maior das quais é a de não aprofundar suficientemente as relações ideológicas entre a Física Ariana e o indeterminismo de Heisenberg, o autor deste livro nunca consegue entender que a experimentação a que se referiam Lenard, Stark e os seus seguidores não era de tipo empirista, mas subjectiva e panteísta.
11 Esta obra de Darwin foi editada em Londres por The Folio Society, em 1990, com o título A Naturalist's Voyage. A passagem citada vem na pág. 78.
12 Id., ibid., pág. 173.
13 Charles Darwin, The Descent of Man and Selection in Relation to Sex, Londres: The Folio Society, 1990, pág. 45.
14 Id., ibid., pág. 471.
15 Id., ibid., pág. 73.
16 Id., ibid., pp. 113-119.
17 Id., ibid., pág. 23.
18 Id., ibid., pp . 157 e segs.
19 Id., ibid., pág. 158.
20 Id., ibid., pág. 134.

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